Vanderlei: 27 anos preso à máquina

Vanderlei, 45 anos, tem a história mais louca e dramática entre as que ouvi em quase 4 meses de hemodiálise. A começar pelo tempo que dialisa. Já são 27 anos preso à máquina e dois transplantes de rim mal sucedidos.
“Sou teimoso”, brincou enquanto abria o armário para pegar o cobertor (alguns pacientes mais antigos tem armário com chave).

Aos 17 anos ele descobriu que tinha nascido com apenas um rim. Foi quando teve hiperfiltração renal e nefrite, que afetaram o único orgão. Logo foi para a terapia renal substitutiva.

O problema dele é chamado agenesia renal. Talvez, se os pais soubessem desde o nascimento, o único rim teria durado mais tempo, com cuidados conservadores.
Nem todo mundo que nasce com apenas um rim vai ter problema. Muitas vezes passa a vida inteira sem saber e só descobre quando adulto, investigando outras doenças.

A agenesia renal atinge mais os homens, numa relação de uma pessoa a cada mil.
Na família de Vanderlei, uma das irmãs também nasceu com apenas um rim e vive bem até hoje. O outro irmão, que tem os dois, já está apresentando alteração em um deles.
Fazer mais um transplante, nem pensar para o Vanderlei.

Imagino o que já sofreu desde a juventude. A primeira cirurgia foi aos 22 anos, quando ainda era polidor de cristal em uma fábrica. Ele contou que o rim foi transportado pelos bombeiros e sofreu um impacto, que não soube explicar exatamente como foi, entre o trajeto de Presidente Prudente a Ribeirão Preto. Os médicos apostaram que o rim poderia ter uma recuperação.

Mesmo com o órgão novo, ele fazia hemodiálise para ativá-lo. Pouco tempo depois dessa tentativa, a constatação de que não tinha dado certo.

Doze anos depois, aos 38 anos, apareceu outro rim e lá foi Vanderlei de novo, cheio de esperança. Durou apenas 12 dias e teve que retirar devido a uma infecçāo no novo rim.

Tempos duros para ele, que nessa época trabalhava como mototaxista, depois de fazer vários “bicos” para sobreviver.

É casado, mas optou por não ter filhos. Hoje está parado porque tem problema na visão e não pode mais pilotar moto.

No final da nossa conversa, percebi que esse é mais um paciente renal crônico resignado. Quando perguntei como ele aguentava tantos anos seguidos dessa rotina de limpeza do sangue, ele me respondeu:

– Eu apenas tolero, mas não me acostumo.