Estava na posição de ouvidora de histórias na recepção da clínica de hemodiálise quando me deparei com uma cena das mais miseráveis. Um moço se aproximou do bebedouro e, depois de tomar água, encontrou no lixo ao lado um picolé pela metade, que havia acabado de ser jogado por uma paciente. Ele pegou o sorvete, passou água e devorou de uma vez. Parecia ser a primeira comida do dia.
“Foi um tapa na minha cara”, comentou a ex-professora Silvia, com quem eu conversava.
Na época em que eu trabalhava como repórter, vi a situação de extrema pobreza nas favelas de Ribeirão Preto. Mas nunca assim, ao vivo e a cores, um ser humano se alimentando do lixo na minha frente.
Confesso que fiquei chocada, não menos que a Silvia, 64 anos, que tinha terminado a sessão e aguardava o motorista. “A gente pensa que isso é apenas na televisão… será que ele é paciente?”.
Era um catador de lixo e logo depois foi embora de bicicleta, carregando um enorme saco de recicláveis.
Pensei comigo: “cada um com sua luta”. E segui a conversa com a simpática aposentada, anotando o nome do problema que causou a perda dos rins dela há mais de 10 anos.
Ela tem glomerulopatia, uma doença que evolui para a insuficiência renal porque ataca os glomérulos, que são capilares sanguíneos responsáveis pela ultrafiltragem do plasma, a parte líquida do sangue.
Foram dois anos de pesquisa para descobrir porque ela inchava tanto. Ao ter o diagnóstico, começou a dialisar e foram 5 anos até conseguir o transplante.
O novo rim durou apenas 8 meses e foi acometido pela mesma doença, a glomerulopatia.
Os médicos usaram uma técnica muito parecida com a hemodiálise, chamada plasmaferis, que é a filtragem de substâncias nocivas.
Sem sucesso nesse tratamento, Silvia precisou da máquina novamente e optou pela diálise peritoneal, aquela feita em casa pela barriga.
Depois de várias internações e complicações, ela diz que tem medo de tentar um novo transplante. Prefere a rotina da clínica porque se sente bem melhor e comemora a assiduidade dizendo: “Nunca faltei”.
E meu deu um conselho : “Nunca falte também”, como se esse fosse o segredo da boa diálise. E é.
Agora vou comer o lanchinho que a Vera trouxe para os companheiros do box.