Hoje meu espaço para falar da hemodiálise aqui no blog Dialisando Histórias é para a carta de um nefrologista ao ministro da saúde. O texto já está nas redes sociais e transcrevo aqui exatamente como foi publicado para análise de quem ler.
Em resposta ao pediatra Carlos Zaconeta, alguns fingimentos dos nefrologistas…
CONSIDERAÇÕES DE UM NEFROLOGISTA AO SENHOR MINISTRO DA SAÚDE E CONVITE À REFLEXÃO PARA OS COLEGAS DE OUTRAS ESPECIALIDADES MÉDICAS
Nós nefrologistas,
Fingimos que trabalhamos quando colocamos 90% dos pacientes do SUS com doença renal crônica avançada em diálise de urgência, um procedimento complexo e cheio de riscos, pois estes pacientes não têm acesso a um nefrologista desde os estágios iniciais da doença, por conta da crônica bagunça dos sistemas de regulação.
E tempos depois continuamos fingindo que trabalhamos quando passamos horas tentando desesperadamente colocar um cateter em uma veia qualquer nestes mesmos pacientes, agora já com falência de acesso vascular e prestes a morrer sem hemodiálise, porque não tiveram chance de ter uma fístula arteriovenosa confeccionada ainda em tratamento conservador.
Fingimos que trabalhamos quando fazemos vaquinha entre os médicos para pagar a patologia de uma biopsia renal não disponível pelo SUS, pois sem o tratamento específico o paciente evoluirá inexoravelmene para falência renal.
Fingimos que trabalhamos quando vemos pacientes com hiperparatireoidismo se deformarem e morrer como monstros porque uma cirurgia de paratireoidectomia é praticamente inacessível no SUS e a medicação há 10 anos aprovada em outros países para esta complicação não é ainda distribuída pelo governo por uma combinação de severa ignorância, burocracia e desprezo pelos pacientes comprometidos.
Fingimos que trabalhamos quando temos que liberar pacientes para tratamento ambulatorial de hemodiálise três vezes por semana mas sabemos que precisariam de quatro, cinco ou seis vezes por semana que não serão financiadas pelo SUS e que por isso retornarão para internação no mês seguinte, mais uma vez em insuficiência cardíaca.
Fingimos que trabalhamos quando tratamos bacteremias e pirogenias de pacientes que reutilizam seus dialisadores (filtros de hemodiálise) 20 vezes porque, embora seja um processo nojento e de dificílimo controle e que pelos riscos inerentes não se utiliza mais em todo mundo civilizado, o MS se nega a promover o uso único de todo material de diálise. Obs: até na Venezuela e em Cuba não se reusam mais dialisadores.
Fingimos que trabalhamos quando vemos nossos pacientes pálidos, cansados e sem qualidade de vida por falta da distribuição regular de medicações para tratamento da anemia. E aí também continuamos fingindo e promovemos campanhas de doações entre eles, transferindo medicações dos mais estáveis para os mais críticos, esperando amenizar a situação até regularização na distribuição de medicamentos.
Por fim fingimos que trabalhamos quando depois de um transplante bem sucedido precisamos acompanhar o desespero de pacientes com risco de perda do enxerto por falta de medicação contra a rejeição. E quando perdem seus rins continuamos fingindo trabalhar, colocando estes pacientes sofridos novamente em tratamento dialítico.