Um bom retrato do SUS

Pela primeira vez em minha vida estou internada em um hospital. Tive uma passagem rápida no ano passado apenas para fazer a fístula da hemodiálise. Como marinheira de primeira viagem, tem coisas que me surpreenderam e outras que deixaram a desejar.

Estou em um quarto do SUS (transplante é feito apenas pelo SUS), muito limpo e arrumado, com ar condicionado e tv a cabo.

Aos poucos, percebo que é uma engrenagem, onde tudo precisa funcionar direitinho para dar certo. Tem o pessoal do curativo, o pessoal da comida, da limpeza, as camareiras, as enfermeiras, os residentes e os médicos. Cada um com a sua função específica. São pessoas amáveis, especialmente os técnicos de enfermagem que tem sempre uma palavra de carinho para dar. Uns mais solicitos e outros mais burocráticos.

Já fiquei no vácuo algumas vezes porque demoraram para atender ao meu chamado. A mão de obra é menor que a demanda. E fui acordada nas madrugadas com uma baita luz na cara para tomar remédios. Será que precisa de tanta luz assim, não basta uma mais fraquinha?
Meus braços estão repletos de hematomas, pois todos os dias preciso tirar sangue e, os dedinhos, estão todos furados para medir de 2 a 3 vezes por dia a glicemia.

Não estou reclamando não, apenas contando os fatos periféricos porque o ponto principal está evoluindo de forma rápida e satisfatória. Tem transplantado internado há semanas porque não consegue urinar. Já o meu novo rim, aquele feijãozinho gigante instalado próximo à virilha, já mexeu com toda a minha estrutura, nem remédio para pressão alta estou tomando mais.

Quando estamos num confinamento como esse, o lado frágil vêm à tona. Passei muitos momentos chorona, com medo do que viria pela frente. No começo não conseguia dar um passo sozinha para tomar água. A comida era deixada longe e acabava esfriando até a enfermeira dar o ar da graça.

Ontem me desfiz da sonda do xixi e do soro e já sinto mais liberdade para me locomover sozinha. Só estou ligada ao dreno da cirurgia.

Meu marido está liberado para ficar comigo e essa atitude foi como encontrar água no deserto. Flavio cuida bem de mim, me traz lanchinhos e frutas. Passamos o Natal comendo castanhas.

Enfim, quero registrar que o atendimento SUS para transplantados é um dos bons retratos da saúde no Brasil. Embora tenha visto muita luta entre técnicos de enfermagem que precisam de dois empregos para sobreviver. Isso foi o que mais me chamou a atenção – gente que dorme apenas 4 horas para ir de um emprego a outro. Espero que tão logo essa situação possa mudar para os cuidadores que põe a mão na massa vivam com mais dignidade.