Nem tudo é doença por aqui

Não vale rir da meia que uso durante a hemodiálise. Tão quentinha para aquecer meus pés que ficam muito frios.

Ela me deixa mais confortável, bem como a poltrona, onde começo a sessão sentada e, do meio até o fim, deitada.
A última hora é a mais difícil. Além do braço esquerdo imobilizado, o frio toma conta do meu corpo. A temperatura cai bastante e a manta ajuda a esquentar.
Sou tão friorenta que parece que estou no polo norte. Isso explica a expressão “sangue quente” – quando fora do corpo, esfria, e só volta a esquentar quando termina a filtragem.
Já contei a história de todos os pacientes do meu box, com exceção de uma senhora que está sempre dormindo. Não consegui falar com ela ainda. Está debilitada e se recuperando de uma pneumonia. Na próxima sessão vou conversar com quem está nas outras salas também.
Agora está começando o bingo das quartas-feiras e o ambiente fica agitado.
Hercília, uma voluntária bem alegre e simpática, anima o jogo junto com duas amigas. Chacoalha o saco preto e vai cantando os números, entre um box e outro.

O primeiro prêmio a sair é o terno e eu fui uma das contempladas com um saquinho de doce.
No fim, é cartela cheia.
“Deu bingo aqui!”, diz Domingos.
Ele já ganhou doce e vai levar pra casa outro presentinho, uma cortina de plástico para o banheiro.
Assim, com pequenos mimos e com o calor humano das voluntárias, a tarde vai passando.
No box ao lado tem “parabéns” para a aniversariante na hora do lanche e muita gente canta.
Nem tudo é doença nesse mundo da clínica, onde passo 12h por semana. Tem festa também.

Viva a vida!