Um pardal entrou hoje na clínica de hemodiálise e quebrou o silêncio desse fim de tarde. Enfermeiras deram gritinhos e pediram para abrir a janela.
Ele ia de um lado ao outro e alguns pacientes se manifestavam. “Ele veio fazer uma visitinha pra gente”. “É um anjo passeando por aqui”.
Até que foi embora por onde entrou, a porta da sala.
Esse episódio interrompeu meu papo com a paciente do box onde estou, de novo, em pleno sábado.
Ontem não fiz terapia renal porque estava numa cirurgia para conter uma infecção gengival. Foi a última parte de uma bateria de exames que me deixaram pronta para o transplante.
Enquanto animo com a possibilidade de me livrar da máquina, pacientes como a Sônia, 60 anos, 4 de hemo, já decidiu que não quer um rim novo.
“É uma escolha muito séria e pessoal”, diz a loira de olhos claros, viúva, uma filha e muita disposição para conversar.
Ela decidiu que preferia continuar na terapia renal substitutiva depois de ler um livro chamado “Como viver com o transplante”.
Uma leitura nada animadora para ela, que também não se conforma com a quantidade de remédios que os transplantados precisam tomar. “É uma mão cheia de remédios, sem contar que muitas vezes precisam fazer biópsia, porque o rim vem com vírus que só é descoberto depois da cirurgia, principalmente quando a creatinina nāo abaixa”.
Ela se refere a alguns casos de pessoas conhecidas que não deram muito certo.
A ex-secretária e salgadeira, hoje aposentada, tem rins policísticos e acha que a insuficiência renal veio à tona depois de ter uma doença autoimune chamada polimiosite.
Teve que tomar muito corticóide e isso atacou mais rápido os rins, que já tinham problema.
Depois de tomar o café com leite e pão com manteiga, Sonia retomou a leitura do livro “Meus amigos, meus amores”.
Antes disso, eu indaguei mais um pouco sobre o transplante que ela não quer saber de fazer:
É preciso ter intuição, né, Sonia?
Ela responde: “Intuição e sabedoria”.